Acordo no Brasil e julgamento inglês; semana decisiva para os atingidos do Caso Samarco em Mariana

Acordo no Brasil e julgamento inglês; semana decisiva para os atingidos do Caso Samarco em Mariana

Faltando exatos 14 dias para completar nove anos do maior desastre ambiental da história do Brasil, os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, vivem uma semana crucial. Entre a iminente assinatura de um novo acordo de reparação no Brasil e o julgamento em curso na Inglaterra, as decisões tomadas nos próximos dias podem definir o futuro das indenizações e dos direitos dos afetados.

O crime levou a vida de 19 pessoas de maneira imediata, além de extinguir dois distritos históricos da Primaz de Minas (Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues). As consequências ambientais à longo prazo ainda são sentidas, por toda a bacia do Rio Doce, chegando até o Espírito Santo. O relatório oficial do Conselho Nacional dos direitos humanos afirma que: “A lama provocou a morte de mais de 11 toneladas de peixes, ameaçou a extinção de algumas espécies, impactou fauna, flora, áreas marítimas e de conservação, além de causar prejuízos ao patrimônio, às atividades pesqueira, agropecuária, turismo e lazer na região”

Em 2016, o primeiro acordo criou a Fundação Renova, que construiu reassentamentos e afirmou já ter desembolsado R$ 36 bilhões em indenizações e investimentos.

O julgamento no Reino Unido começou na última segunda-feira (21), enquanto no Brasil o advogado-geral da União, Jorge Messias, apresentou na sexta-feira (18) a proposta de repactuação do governo federal. A complexidade do caso reside no fato de que a definição de um acordo no Brasil pode inviabilizar o andamento do processo britânico, já que as duas ações tratam do mesmo evento e reivindicam compensações similares.

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Conflito jurídico no Caso Samarco de Mariana

A existência de processos paralelos nos dois países levanta a questão de duplicidade de jurisdição. Se o acordo de repactuação for assinado no Brasil, o julgamento na Inglaterra pode perder sua razão de ser, já que um mesmo caso não pode ser julgado em dois tribunais diferentes. Dessa forma, a decisão no Brasil pode esvaziar a ação inglesa, gerando um impacto significativo para os milhares de atingidos que esperam por justiça.

O acordo brasileiro

A proposta de repactuação no Brasil prevê um total de R$ 167 bilhões, sendo R$ 130 bilhões de novos recursos. Entre as medidas anunciadas estão indenizações e investimentos significativos para a saúde, infraestrutura e recuperação ambiental. O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destacou que cerca de 300 mil famílias receberão um pagamento imediato de R$ 30 mil assim que o acordo for assinado.

Além disso, a proposta prevê:

  • R$ 640 milhões para fortalecer o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios da Bacia do Rio Doce.
  • R$ 12 bilhões para saúde coletiva, incluindo R$ 3,6 bilhões destinados à infraestrutura e equipamentos.
  • R$ 7,09 bilhões para a retomada econômica da região afetada.
  • R$ 1 bilhão em auxílio financeiro às mulheres vítimas de discriminação de gênero no processo reparatório.
  • R$ 17,8 bilhões para projetos socioambientais nos Estados.
  • R$ 11 bilhões para saneamento básico.
  • R$ 4,6 bilhões para recuperação de rodovias, como a BR-262 e BR-365.
Acordo no Brasil e julgamento inglês; semana decisiva para os atingidos do Caso Samarco em Mariana
A mesa da AGU que apresentou a proposta na última sexta-feira (18).

Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo, a assinatura do acordo depende apenas do presidente Lula, e a expectativa é de que o anúncio ocorra até o final de outubro.

O processo na Inglaterra

O julgamento no Reino Unido, que começou no dia 21 de outubro, envolve a BHP, uma das controladoras da Samarco, e conta com mais de 600 mil atingidos registrados, incluindo comunidades, indivíduos e municípios. A ação britânica, que busca um total de R$ 230 bilhões, foi possível porque a BHP estava listada na Bolsa de Valores de Londres em 2015, época do desastre.

O processo se baseia na Convenção de Bruxelas, que permite ações no domicílio da empresa ré, mas determina que o direito material aplicado deve ser o do país onde ocorreu o dano. Isso significa que, embora o julgamento aconteça sob a legislação processual inglesa, as regras de direito ambiental brasileiro são as que devem guiar a decisão.

Em entrevista para o podcast O Assunto, Paulo Bessa, professor de direito ambiental e especialista no tema, explicou que o julgamento inglês replica, em grande parte, as ações já existentes no Brasil. A principal justificativa para a ação no Reino Unido é a alegada morosidade e as baixas compensações no sistema de justiça brasileiro. No entanto, ao aplicar o direito ambiental brasileiro, que é mais rigoroso em alguns aspectos, o julgamento inglês pode acabar questionando a soberania da justiça nacional.

“Se um acordo amplo for firmado no Brasil, as pessoas que concordarem com as indenizações não terão direito a pleitear outra indenização na Inglaterra. Estamos discutindo muito mais uma questão processual do que o direito das vítimas. No montante de R$ 127 bilhões estão incluídos R$ 37 bilhões já investidos em ações de remediação desde o desastre. A indenização recebida no Brasil seria descontada do que eventualmente fosse concedido na Inglaterra, mas, do ponto de vista jurídico, isso não se sustenta. Me parece que, uma vez feito um acordo amplo no Brasil, a ação na justiça inglesa tende a perder o objeto“, disse Paulo no programa.

A Vale já se retirou do processo na Inglaterra. Em junho deste ano, a empresa fez um acordo com a BHP e deixou o caso. No Brasil, o órgão que representa as mineradoras , o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) já entrou com pedidos para que a justiça brasileira conteste a possibilidade de empresas brasileiras sejam acionadas no exterior. Nesse sentido, o STF proibiu que que 46 municípios paguem honorários advocatícios do caso na Inglaterra.

Primeiro dia de julgamento

Segundo o Jornal O Globo, o primeiro dia de audiências no Reino Unido, a acusação apresentou um documento que indicava que a Samarco sabia que estava despejando rejeitos acima dos limites permitidos desde 2009. De acordo com o documento, o limite anual era de 109 milhões de toneladas, mas a Samarco despejava cerca de 130 milhões por ano.

Ao longo das próximas semanas, o tribunal ouvirá testemunhas e especialistas em Direito Civil, Direito Societário e Direito Ambiental para avaliar a legitimidade dos municípios afetados em mover ações fora do país e o impacto ambiental e econômico nos locais afetados. As alegações finais serão apresentadas entre 24 de fevereiro e 5 de março de 2025.

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