10 anos da tragédia de Mariana e nenhuma condenação

10 anos da tragédia de Mariana: o crime sem condenação

Em 5 de novembro de 2015, às 16h20, a barragem de Fundão se rompeu e devastou Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, distritos de Mariana. Em poucos minutos, uma enxurrada de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro destruiu tudo pelo caminho. 19 pessoas morreram, comunidades inteiras desapareceram e o Rio Doce foi contaminado por cerca de 660 quilômetros, até o Oceano Atlântico, 17 dias depois.

O rejeito devastou 100 km de matas ciliares, interrompeu o fornecimento de água, paralisou atividades agrícolas e pesqueiras e comprometeu o modo de vida de milhares de famílias ribeirinhas, indígenas e quilombolas.

A barragem, construída em 2008, já apresentava infiltrações desde 2009. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), falhas no sistema de drenagem e intervenções sem licenciamento contribuíram para o colapso.

10 anos da tragédia de Mariana e nenhuma condenação
A tragédia de Mariana deixou impactos sociais e ambientais. Além dos 19 mortos, animais como cães e cavalos, fauna e flora foram levados pela lama / Foto: CHRISTOPHE SIMON (AFP)

Uma década sem responsabilização

Passados dez anos do rompimento, nenhum réu foi condenado. Em novembro de 2024, a Justiça Federal absolveu a Samarco, suas controladoras Vale e BHP Billiton, e a consultoria VogBR, responsável por atestar a estabilidade da estrutura.

Na decisão, a juíza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho afirmou que as provas apresentadas “não responderam quais condutas individuais contribuíram” para o desastre, e que a dúvida “deve ser resolvida em favor dos réus”.

O MPF recorreu da sentença, defendendo que omissões coletivas e falhas organizacionais foram determinantes para o rompimento. O procurador Darlan Airton Dias ressaltou que os gestores da Samarco “tinham plena ciência técnica dos riscos de liquefação e colapso estrutural” e que suas omissões configuram “incremento inadmissível de risco”.

Entre os nomes denunciados estão Ricardo Vescovi, Kleber Terra, Germano Lopes, Wagner Alves, Daviély Silva e Samuel Paes Loures, além das empresas Vale, BHP e VogBR. O recurso ainda aguarda julgamento.

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Homens resgatam um cachorro que ainda permanecia na área de lama dias após o rompimento / Foto: Antonio Lacerda (EFE)

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Acordos e reparações

Em outubro de 2024, após sucessivas críticas à lentidão da Fundação Renova, criada em 2016 para gerenciar as reparações, foi firmado um novo acordo entre as mineradoras e o poder público, no valor de R$ 170 bilhões.

O montante inclui R$ 38 bilhões já investidos anteriormente e prevê recursos para saneamento, mobilidade, infraestrutura e apoio socioeconômico às comunidades atingidas. Parte do valor (R$ 32 bilhões) será administrada diretamente pela Samarco para indenizações individuais e programas ambientais. Até setembro de 2025, cerca de R$ 14 bilhões haviam sido pagos em indenizações.

Mesmo assim, moradores e movimentos sociais criticam a morosidade e questionam se os investimentos chegarão efetivamente a quem foi atingido. Os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram concluídos somente em julho de 2025, e moradores relatam dificuldades de adaptação às novas áreas.

Desde 2018, mais de 700 mil atingidos, entre pessoas, comunidades, igrejas e empresas, processam a BHP na Justiça inglesa, pedindo mais de R$ 260 bilhões em indenizações.

A primeira fase do julgamento, que discute a responsabilidade da empresa, foi concluída em março de 2025, mas a sentença da juíza Finola O’Farrell ainda não foi publicada. Caso a BHP seja condenada, a Vale deverá arcar com metade do valor.

Enquanto isso, o processo segue com audiências para definir o impacto individual sobre os atingidos e o cálculo das indenizações.

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Imóveis e veículos foram soterrados por lama após o rompimento da Barragem de Fundão / Foto: Neno Vianna (Efe)

“O rio ainda está contaminado”

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) considera que o caso Fundão se tornou símbolo da impunidade das mineradoras no Brasil.

“As mineradoras ainda não foram responsabilizadas criminalmente, apesar das 20 pessoas que elas assassinaram e da contaminação dos quase 700 km de rio”, afirmou Pedro Gonzaga, da coordenação estadual do MAB em Minas Gerais, ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.

Ele denuncia a lentidão na reparação e o medo permanente vivido por comunidades próximas a barragens:

“As pessoas que moram nessas regiões ainda sofrem com o terrorismo de barragens, o medo constante e a perda de tranquilidade de estar em suas próprias casas e trabalhos”.

Segundo Gonzaga, pescadores continuam impedidos de pescar, agricultores têm terras cobertas de lama, e diversas categorias de atingidos sequer foram reconhecidas. Ele defende que os recursos do Programa de Transferência de Renda sejam usados para revitalizar a economia das comunidades e combater a insegurança alimentar.

O que diz a Samarco?

Desde que o Novo Acordo do Rio Doce foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 6 de novembro de 2024, a Samarco assumiu as ações de reparação e compensação, destinando R$ 30,4 bilhões neste primeiro ano. No acumulado desde 2015, os valores destinados à reparação e compensação chegam a R$ 68,4 bilhões, considerando também os R$ 38 bilhões executados pela Fundação Renova até setembro de 2024.

As indenizações individuais e auxílios financeiros pagos no âmbito do Novo Acordo já beneficiaram mais de 288 mil pessoas e somam R$ 14 bilhões, até setembro de 2025. O Programa Indenizatório Definitivo (PID) concentrou a maior parte dos pagamentos: 328 mil requerimentos, com mais de 242 mil pessoas físicas e jurídicas pagas, totalizando R$ 8,9 bilhões.

Em Novo Bento Rodrigues e Paracatu, todas as obras iniciadas antes da assinatura do Novo Acordo estão concluídas, entregando 389 obras, incluindo 22 bens públicos, como escolas, postos de saúde, cemitérios, praças e sistemas de tratamento de água e esgoto, além de moradias, comércios, sítios, lotes, bens privados (associações, igrejas, etc).

Atualmente, permanecem em execução seis imóveis adicionais, definidos pelos moradores do Novo Bento Rodrigues após a homologação do acordo pelo STF em novembro de 2024. A previsão é que essas construções sejam concluídas até o final de 2026.

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