A manhã desta sexta-feira, 14 de novembro de 2025, entrou para a história das vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Em uma decisão aguardada há quase uma década, o Tribunal Superior de Londres concluiu que a mineradora BHP Billiton é responsável pelo colapso da estrutura, ocorrido em 5 de novembro de 2015, tragédia que matou 20 pessoas e devastou comunidades inteiras ao longo do Rio Doce. A sentença corresponde à primeira etapa do julgamento e trata exclusivamente da responsabilidade da empresa. Agora, o processo avança para a fase de quantificação dos danos.
A decisão motivou uma coletiva de imprensa transmitida ao vivo nas redes sociais do prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), que reuniu vítimas, lideranças comunitárias, representantes do município e integrantes do escritório Pogust Goodhead, responsável pela ação internacional movida por mais de 600 mil brasileiros.
O advogado britânico Tom Ainsworth, sócio do Pogust Goodhead, abriu sua fala dizendo que o julgamento representa um marco gigantesco para os atingidos. Ele afirmou: “Este é um momento enorme para as vítimas do colapso da barragem de Fundão. A dor e o impacto que isso causou em centenas de milhares de pessoas é impossível de colocar em palavras. Levou dez anos para finalmente responsabilizar uma das maiores mineradoras do mundo. A juíza confirmou que, sob o rígido regime ambiental brasileiro, a BHP é responsável. Mas confirmou também, e talvez ainda mais importante, que a BHP é culpada por sua própria negligência. Eles poderiam ter evitado isso. Era previsível”. Ele ressaltou que a decisão só confirma o que os atingidos sempre souberam: “Vocês estavam certos. Há um responsável e alguém causou isso”.
Caroline Narvaez, sócia do escritório, destacou que a decisão ocorre exatamente uma semana após os dez anos do desastre. Para ela, trata-se de um momento de celebração principalmente para as vítimas. “É uma decisão longa, extremamente detalhada. Ela examina minuciosamente a lei brasileira e explica por que a BHP foi responsável pelo colapso. As vítimas finalmente poderão ver reconhecido e registrado quem é realmente o responsável por esse desastre”, afirmou.

Entre os depoimentos mais emocionados esteve o de Gelvana Rodrigues, mãe de Thiago Damasceno, de 7 anos, morto pela lama enquanto tentava fugir de Bento Rodrigues. Em lágrimas, ela declarou que hoje sente “gratidão” e que nunca perdeu a fé.
“Se não fosse por vocês, nós estaríamos sem justiça. Meu filho agora vai poder descansar em paz.”
Também moradora de Bento Rodrigues, Mônica dos Santos celebrou a decisão como um marco para todos os atingidos. “Há dez anos buscamos essa justiça. Este é um momento de muita comemoração. Que essa decisão faça a justiça brasileira aprender, porque ela não fez nesses dez anos. Esperamos que ajude na responsabilização penal aqui no Brasil”, afirmou.
O prefeito de Mariana, Juliano Duarte, classificou o dia como histórico para o município.
É uma luta de oito anos da ação inglesa e dez anos do rompimento. Lutamos contra duas das maiores mineradoras do mundo para que Mariana tenha justa reparação. A cidade perdeu arrecadação, empregos e viu empresas fecharem as portas. Bento Rodrigues e Paracatu são hoje apenas marcas de lama e mato. Vida não tem preço e nós sofremos muita pressão para assinar acordos injustos, mas não cedemos.
Ele lembrou que esteve em Londres durante as audiências mais recentes ao lado de vítimas e representantes legais.
“Escolhemos o caminho correto, que é o da justiça social diante do maior crime ambiental da história do Brasil.”
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Duarte Júnior, prefeito de Mariana à época da tragédia e irmão do atual gestor, reforçou que a decisão evidencia o óbvio: o rompimento ocorreu por culpa das empresas. Ele criticou a União e o governo de Minas por terem sido amplamente contemplados no acordo de repactuação enquanto municípios e vítimas ficaram em segundo plano. “Um acordo de 170 bilhões poderia ter atendido os atingidos. Mas Estado e União se preocuparam em resolver os problemas deles. Esta decisão comprova que fizemos o caminho correto ao não assinar”, disse. Ele lembrou que Mariana perdeu mais de R$ 927 milhões em arrecadação durante sua gestão.

O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que atua como advogado parceiro do Pogust Goodhead, classificou o dia como um dos mais felizes de sua carreira. “É muito bom para um advogado estar do lado certo da causa. Sofremos pressões, tentativas de intimidação, e os municípios e vítimas não foram chamados à mesa de negociação. Mas não nos curvamos. Justiça não conhece fronteiras e não há interesses econômicos capazes de calar quem luta pelo que é certo”, afirmou. Ele rejeitou a alegação de que a decisão inglesa violaria a soberania brasileira: “Ofenderam a soberania quando levaram os lucros para fora e deixaram os danos aqui”.
A CEO do escritório, Alicia Alinia, também celebrou o resultado. Em sua fala, traduzida da íntegra, afirmou que “a decisão representa um marco histórico para mais de 600 mil brasileiros cujas vidas, comunidades e ambiente foram devastados pelo colapso da barragem”. Ela destacou que a Justiça inglesa reconheceu que o método inseguro de alteamento acelerado da barragem foi a causa direta e imediata do desastre. “O julgamento afirma o princípio de que nenhuma corporação multinacional está acima do dever de cuidado. Agora, com a responsabilidade estabelecida, nosso foco é garantir compensação completa e justa para todas as pessoas, empresas e municípios atingidos”, disse.
Ao final, os representantes do escritório esclareceram dúvidas dos jornalistas sobre os próximos passos do processo. Caroline explicou que já está em andamento a segunda fase, que trata da quantificação dos danos, e que haverá uma audiência em 17 ou 18 de dezembro para definir o calendário. O julgamento dos danos está previsto para começar em outubro de 2026 e deve durar cerca de seis meses. Ela destacou que, pela complexidade e pelo volume de atingidos, os valores serão definidos com base em casos modelos, prática comum em ações coletivas no Reino Unido, garantindo parâmetros justos sem exigir análise individual de centenas de milhares de documentos.
Questionado sobre a possibilidade de recurso, Tom Ainsworth esclareceu que, ao contrário do Brasil, não existe direito automático à apelação. “Só sabemos que a BHP disse que tentará recorrer, mas ainda não sabemos quais partes da decisão eles vão contestar. E mesmo que o recurso seja aceito, ele não atrasa a segunda fase, que seguirá normalmente”, explicou.

Em nova pergunta, uma jornalista quis saber como a vítima Gelvana resume seus sentimentos após dez anos aguardando justiça.
“É um sentimento de libertação, de felicidade. Nunca perdi a fé. Só de imaginar que conseguimos chegar até aqui, já é a maior vitória do mundo. Vou continuar nessa luta pelo meu filho até o fim.”
Ela também foi questionada sobre o que representa justiça para ela neste momento, e afirmou que a condenação da mineradora é um passo essencial para que seu filho “descanse em paz”.
A coletiva foi encerrada com uma mensagem de Juliano Duarte reforçando que prefeitos, vítimas e comunidades seguirão unidos na busca por reparação integral. “As pessoas vivem nas cidades, é nelas que os problemas estão. Não assinamos acordos injustos e hoje mostramos que escolhemos o caminho correto. Continuamos juntos nessa causa”, concluiu.
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Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com passagens por Jornal O Espeto, Território Notícias e O Mundo dos Inconfidentes.
