IBORU: a roda do tempo (e da musicalidade) de Marcelo D2

IBORU: a roda do tempo (e da musicalidade) de Marcelo D2

Iboru- Marcelo D2. Ciclos.

Se no final dos anos 80 a música pop brasileira parecia se render, em boa parte, ao achatamento cultural dos anglófilos, com hits inspirados em produtos já esquecidos pelos gringos, o começo da década seguinte trouxe uma onda de rebelião criativa para as rádios.

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Pato Fu, Raimundos, Nação Zumbi e Skank são só alguns dos nomes que surgiram nesse momento pré-web, onde fitas e CDs ainda eram mais valiosos do que o MP3 e dicas de pessoas eram mais relevantes que as dos algoritmos.

Foi nesse lugar do tempo que o Planet Hemp apareceu, somando discussões totalmente brasileiras à uma sonoridade ainda pouco explorada. Encontrando um paralelo musical mais próximo ao do time do Chico Science, um cara extremamente politizado e com um tipo de som que valorizava o produto nacional.

Encabeçando o Planet e sua importância para a música brasileira, tinhamos e, ainda bem, ainda temos, ao lado de B Negão, o carioca Marcelo D2, responsável por IBORU, um dos melhores lançamentos de 2023.

A Procura da Batida Perfeita

Quando D2 engatou de vez sua carreira solo, o Planet parecia ter encerrado seu ciclo na Terra, deixando, na voz e no batuque de Marcelo, a continuação de sua história.

A Procura da Batida Perfeita (2003) e A Arte do Barulho (2008) são primos mais sambistas de Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára (1997), e que mostravam como o tempo levaria Marcelo D2 cada vez mais para perto das origens do samba.

Só que a batida perfeita do samba não vem só da percussão. O samba é, mais do que tudo, uma rebelião musicada. 

Assim tocam os meus tambores

Contrariando as viúvas de um certo pop rock cervejeiro do final do século XX, o início dos anos 2010 se mostraram extremamente férteis para a música brasileira, que, inclusive, conseguiu criar seus ícones pop dentro do mercado independente, enchendo festivais e movimento playlists dos streamings sem precisar das rádios e da TV.

BaianaSystem, Metá Metá e Emicida são grandes exemplos que emergem na morte do Napster, apontando o que viria a ser a nova sonoridade brasileira, estampada no retorno do Planet Hemp e em IBORU.

A mistura do rap e do rock com samba já não é uma questão. Na verdade, o tempo e a força do capitalismo em se reformular fizeram dessas misturas algo quase sem alma e pasteurizada, demandando, agora, uma volta até àquelas fontes impeditivas para os colonizadores culturais — ainda que, sim, eles tentem.

JARDINEIROS, estrondoso retorno do Planet Hemp (2022), fala de Veias abertas da América Latina e se conecta com outros países do sul global, por meio do rapper Trueno. Agora o Planet não é mais de São Paulo ou do Rio, agora o Planet é latino.

IBORU segue por aí.

Para curar a dor do mundo

Grandes discos demandam mais dever de casa do que fone de ouvido.

Com 16 faixas e um curta-metragem — marcado para estrear no dia 28 de junho —, IBORU traz em seu título um cumprimento do culto Ifá, oriundo das religiões tradicionais africanas, mais precisamente ao Yorubá. 

Foi através do Ifá que D2 encontrou forças após a perda da mãe, em 2021. 

Na primeira faixa, SARAVÁ, Marcelo dá boas vindas e avisa “Mãe, cê pode ir que seu filho cuida da casa”. Vindo na sequência, o primeiro single, POVO DE FÉ, traz a primeira parceria de IBORU com o professor e historiador Luiz Antonio Simas. Um dos grandes sambas do disco.

No pagode ATÉ CLAREAR, D2 convida Arlindinho Cruz e Diogo Nogueira para homenagear nomes como Arlindo Cruz e João Nogueira. Já em FONTE QUE EU BEBO, Marcelo canta para as antigas gerações: “Nego velho é aula de vida, é sabedoria. Malandro nato, firme no papo, um verdadeiro expoente. Nеgo velho anda devagar, mas tá sempre na frente”.

SÓ QUANDO MEU SAMBA MORRER é o final da parte samba do disco, dando o gancho para a excelente KALUNDU, com a percussão e as cordas mais pontuadas. TAMBOR DE AÇO mantêm o batuque em parceria com a dupla Tropkillaz, que esteve junto com Marcelo D2 no funk AINDA, do último disco do Planet Hemp.

Em TEMPO DE OPINIÃO, D2 divide os vocais com Juçara Marçal, do Metá Metá, em um samba-jazz clássico que dá o gancho para a entrada de B Negão em ABRINDO OS CAMINHOS.

PEDACINHOS DE PAULETE é uma simples e doce homenagem à Paulete Peixoto, mãe de D2. 

Mumuzinho e Alcione aparecem nos vocais de O SAMBA FALARÁ + ALTO em uma faixa digna de ser batucada em mesas de bares com as devidas caixas de fósforo. Já DUAS PENAS se apresenta com a tristeza conhecida do samba raiz.

Composto e interpretada por Romildo Souza Bastos, GANDAIA é uma das composições mais interessantes de IBORU, misturando o som das rodas de angola, o eletrônico e a guitarra baiana de Kiko Dinucci.

Com Zeca Pagodinho à frente, BUNDALELÊ é um clássico imediato dos churrascos. PRA MARCELO é a faixa mais Planet do disco: “como já dizia o yuka: ‘o que todo mundo sabe já não é segredo’. Tá na cara da sociedade, quando é força que nos cala, não é paz, é medo”.

Fechando com uma força descomunal, PRA CURAR A DOR DO MUNDO traz o grande diálogo sobre a ancestralidade. Apresenta Zambiapungo e Zaratempo, com texto de Luiz Antonio Simas, e um trecho tocante que versa sobre a calma e a tranquilidade. Tudo embalado por metais que fazem toda a diferença na sonoridade que leva a audiência em um rio musicado.

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Ciclos.

Em dois dos melhores discos do começo da década de 2020, Marcelo D2 aponta a necessidade da nossa música deixar de lado o colonialismo do século passado em busca da nossa identidade, às vezes esquecida em prol de forças nada musicais, mas, bastante presentes nas rádios, como o agronegócio. IBORU aponta como o futuro e o presente fazem mais sentido, quando entendendo as origens.

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