Representantes do Instituto Guaicuy, do Ministério Público, da Associações de Moradores e comunidade se reuniram na noite de terça-feira (29), em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, para tratar do início da atuação da Assessoria Técnica Independente (ATI), que começará os trabalhos com os atingidos pelo descomissionamento da barragem Doutor, a fim de criar o diagnóstico dos impactos da descaracterização da estrutura e construir a reparação para os moradores que vêm sofrendo com as intervenções da Vale na barragem.
Há dois anos, os atingidos de Antônio Pereira aguardam pela ATI, um direito deferido pela juíza Kellen Cristini, da 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto, em setembro de 2021. A Vale vem criando embates judiciais com os moradores, recorrendo às decisões da Justiça. Porém, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) indeferiu, no dia 10 de outubro, o efeito suspensivo pleiteado pela mineradora, mantendo a decisão de primeira instância para contratação imediata das entidades técnicas ATI e Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA) para a comunidade do distrito ouro-pretano.
O Instituto Guaicuy foi eleito, em fevereiro de 2021, a entidade responsável pela ATI para os atingidos de Antônio Pereira, com 67,34% dos votos da comunidade. O resultado foi homologado pela Justiça em março e, em maio, ele apresentou a primeira versão do plano de trabalho, que construído ao lado da população local, e que foi aprovado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O Instituto, então inicia seus trabalhos junto dos moradores na quinta-feira (1), com um cronograma de execução do trabalho.
“Nessa fase inicial, nós estamos fazendo os primeiros contratos, são os cargos de confiança que participaram da elaboração do plano de trabalho, que já tem conhecimento e vivência com a comunidade e, a partir disso, nós estamos trazendo alguns profissionais que estão trabalhando no instituto e vamos abrir um edital de seleção. Esse edital será divulgado de forma pública para a participação das pessoas. É preciso esclarecer que nessa seleção, há um acordo entre Ministério Público e Justiça de que as pessoas atingidas não podem participar desse edital, porque elas estão envolvidas no processo. Mas elas não podem participar nas atividades ‘fins’, nas atividades ‘meias’, que são administrativas, sem função específica de mobilização, não há entendimento. Agora, vamos iniciar o processo de montar o nosso escritório e a nossa proposta é estar aqui, cada vez mais próximos dos atingidos, os apoiando na luta pelos seus direitos de reparação integral”, comentou o coordenador da equipe da ATI e vice-presidente do Instituto Guaicuy, Ronald Guerra.
O Instituto Guaicuy trabalhará com o processo de mobilização e fortalecimento da organização social das comunidades de Antônio Pereira. Esse trabalho será feito, também, a partir da comunicação para levar a informação adequada à população. Portanto, haverá equipes de jornalistas, de advogados e de pessoas ligadas ao acolhimento de saúde, com a presença de psicólogos.
A juíza Kellen Cristini determinou que toda a população do distrito é atingida pelo descomissionamento da barragem, com níveis diferentes de impactos. Algumas famílias precisaram ser retiradas de suas casas, enquanto outras não. Porém, os impactos na saúde e na economia dos moradores foram considerados pela Justiça
“O processo de descomissionamento, a lama invisível e a possibilidade de ruptura vai acometendo os moradores já há algum tempo e é necessário realizar todo um trabalho. Nós não vamos fazer o papel do poder público, que é o atendimento à saúde, mas nós vamos procurar orientar os atingidos a terem seus direitos assegurados”, finalizou Ronald Guerra.
O início dos trabalhos da ATI, após dois anos, foi uma conquista celebrada tanto pela comunidade quanto pelos promotores presentes. “Hoje é uma nova etapa e uma nova era, nós temos uma ATI, que é um direito de todos os atingidos. Estaremos recolhendo as assinaturas de todos os moradores para fazer um dossiê contra a Vale. É uma briga de um elefante contra uma formiguinha”, disse o presidente Associação de Moradores de Antônio Pereira, Wemerson Rodrigues.
Já o promotor da a 4ª Promotoria de Direitos Humanos Ouro Preto, Promotoria de Direitos Humanos, Thiago Correia Afonso, afirmou que o grande protagonista na ação é o atingido, que agora terá a ATI como garantia de direito. “Essa é uma conquista gigantesca para nós nesse processo. Esse é o início da fase mais importante da nossa ação, que é a participação efetiva do atingido, ao lado de um corpo técnico que vai poder apurar os danos reais que eles vêm sofrendo para que, ao fim da ação, possam ser reparados de forma justa”, comentou.
Visita do promotor do MPMG
O promotor de Justiça do MPMG e coordenador da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social — setor de dentro do Ministério Público que trabalha com a questão específica de mobilização dos atingidos, dentre outras atribuições —, Gabriel Mendonça, visitou Antônio Pereira durante a terça-feira, junto de Wemerson.
“Andamos com o promotor durante a tarde, mostrando alguns pontos cruciais para a nossa comunidade. Não conseguimos mostrar nem um terço, na verdade. O promotor ficou de voltar aqui novamente em Antônio Pereira para conhecer ainda mais a nossa realidade. Mas ele andou por algumas casas e, inclusive, viu algumas coisas que disse nunca ter visto. Fico na gratidão de ver pessoas que ainda acreditam”, contou o presidente da Associação de Moradores de Antônio Pereira.
Gabriel Mendonça assumiu a promotoria que cuida do caso dos atingidos de Antônio Pereira recentemente e ainda está se inteirando sobre os processos e os acontecimentos envolvendo o distrito e a Vale. Ele relatou algumas preocupações quanto à situação dos moradores locais.
“Fiquei bem impressionado em termos de abandono de alguns locais e da situação de moradores que aparentemente estão dentro da mancha, mas que não foram retirados. Temos que avaliar essa situação com bastante cautela e atenção. Senti que temos muito trabalho a fazer, temos que ver com bastante atenção e calma a situação da comunidade”, disse Gabriel.
Outras preocupações do promotor estão ligadas à “mancha inteligente” — fato de ter casas dentro da mancha, em caso de rompimento, com vizinhos fora dela — e à morosidade de se ter as compensações aos atingidos.
“Há algumas casas que estão uma do lado da outra e uma está na mancha e outra não. Temos que avaliar o estudo técnico que foi feito para poder entender qual foi a conclusão. Temos que trabalhar com muito afinco e dedicação para tentar correr atrás do tempo perdido, mas, infelizmente, é um processo moroso. São questões complexas, a resistência dos empreendedores é grande. Então, temos que avaliar todo o material que a ATI vai produzir e fazer reuniões periódicas com os atingidos para tentarmos fazer um diagnóstico bem preciso e tentar ir nos pontos certos para acelerar o processo”, finalizou.
Apuração e entrevistas de Hellen Perucci*
Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo passagens pelo Mais Minas, Agência Primaz e Estado de Minas.
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