Sérgio Pererê publica nota de repúdio à página que alegou ‘profanação’ em seu show em Ouro Preto

O músico Sérgio Pererê repudiou as falas da página ‘Guerreiro da Santa Igreja’, que alegou profanação da Capela do Alto das Dores ao receber um show dele durante o evento ‘Fado em Cidades Históricas’, no último dia 1º, em Ouro Preto. No vídeo, uma mulher afirma que o evento contrariou os princípios e a sacralidade do espaço religioso. Pererê, no entanto, enxerga que a fala é racista, envolta de intolerância religiosa. 

Na nota, o artista destaque é negro, espiritualista, filho de benzedeira e “rei no Congado”, afirmou que considera legítima a sua presença no espaço da igreja, especialmente por entender que essas construções históricas foram erguidas com o trabalho forçado de seus ancestrais africanos escravizados.

“Enquanto artista negro, filho de benzedeira e rei no Congado, é muito legítimo ocupar o espaço de uma igreja. Afinal, é sabido que as igrejas das cidades históricas de Minas Gerais foram construídas com a força, o coração e o sangue dos meus ancestrais”, escreveu.

A página em questão ainda cobra um posicionamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por entender que ‘autoridade eclesiástica’ para coibir a apresentação. “Cada altar, cada imagem, cada pedra dessa cidade foi erguida para glorificar a Deus, não para ser palco de blasfêmias disfarçadas de cultura”, diz o texto que acompanha o vídeo.

Nesse sentido, Pererê, em sua nota, também lamentou o tom agressivo do vídeo e reforçou que sua apresentação foi respeitosa, leve e marcada por um público sensível e acolhedor. O repertório apresentado, segundo Pererê, foi do álbum Canções de Bolso, e não incluiu elementos que possam ser interpretados como rituais religiosos de matriz africana, como foi sugerido pelas críticas.

Apesar de afirmar que os ataques não o atingem diretamente por estar firme em sua trajetória e em sua identidade, o artista ressaltou a importância de tornar o episódio público para fomentar o debate sobre racismo estrutural e liberdade religiosa no Brasil.

“A crítica feita a mim não me atravessa, porque caminho há muito tempo, na minha trajetória pessoal e artística, consciente do que eu proponho (…). Contudo, acho extremamente importante trazer esse ataque a público para que possamos refletir sobre o racismo e a intolerância religiosa.”

Leia a nota de Sérgio Pererê sobre a acusação em Ouro Preto

“No dia 1º de junho, eu tive a honra de fazer uma apresentação no “Festival de Fado”, dentro da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto. Foi um show leve e emocionante, assistido por um público afetuoso e de uma sensibilidade rara, no qual cantei o repertório de “Canções de Bolso”, um álbum que prezo muito.

Porém, nesta terça-feira, dia 10, me deparei com um vídeo no Instagram que chama a apresentação de “profanação da Igreja Católica” e questiona a legitimidade da minha presença naquele espaço sagrado.

Com um tom agressivo, a narradora do vídeo, publicado na página “Guerreiro da Santa Igreja”, afirma: “ele se diz espiritualista, mas as músicas dele são denominadas ‘Samba de Preto Velho’, ‘Conversas de Terreiro’, entre outras barbaridades”.

É evidente e revoltante como o discurso do vídeo é impregnado de racismo e intolerância religiosa, motivo pelo qual manifesto publicamente o meu repúdio.

Enquanto artista negro, filho de benzedeira e rei no Congado, é muito legítimo ocupar o espaço de uma igreja. Afinal, é sabido que as igrejas das cidades históricas de Minas Gerais foram construídas com a força, o coração e o sangue dos meus ancestrais.

A crítica feita a mim não me atravessa, porque caminho há muito tempo, na minha trajetória pessoal e artística, consciente do que eu proponho, do que eu acredito e de como meu trabalho chega às pessoas.

Contudo, acho extremamente importante trazer esse ataque a público para que possamos refletir sobre o racismo e a intolerância religiosa e buscar cada vez mais forças para, juntos, combatê-los”, finalizou.

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Manifestações de apoio

Nos comentários do post do artista, vários realizadores culturais, políticos e personalidades manifestaram apoio a Perrrê e consternação pelas falas do vídeo. 

O prefeito Angelo Oswaldo valorizou o artista e destacou que Ouro Preto está de braços abertos para sua arte. 

“Querido amigo Sérgio Pererê, Você é tão forte e poderoso na vibração de sua voz e na luz da sua música que essa manifestação isolada – embora ecoando os preconceitos que extremistas cultivam país afora – não alcança o brilho da sua presença na Igreja das Dores de Ouro Preto. Nossa cidade o admira e o aplaude. Venha sempre, a Terra de Chico Rei também é sua”.

A artista Killa MC foi mais enfática ao expor as contradições da Cidade Patrimônio Mundial. 

“Pior é saber que NÃO É UM CASO ISOLADO! Isso sofremos todos dias na nossa cidade! Ouro Preto é a cidade que se faz homenagem a inquisição, homenagem a coroa portuguesa, e deixa pra falar de Chico Rei apenas em Novembro. Nos artistas ouropretanos somos atacados diretamente! Você é brabo e nem precisa que falemos isso porque sei que voce sabe, sinto muito que tenha sidosda Espero que essa situação possa fazer o prefeito que comentou como se fosse o bom samaritano refletir no sistema que ele emprega em.cima de nos! Pois se vc que é famosos, é de fora foi tratado assim, pense em como eles nos tratam que somos daqui”, diz a Gestora Cultural.

O rapper Djonga comentou: “Vergonha”. 

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Igor Varejano

Jornalista formado pela Universidade Federal de Ouro Preto, com passagens por Esporte News Mundo, Blog 4-3-3 e Agência Primaz.