‘O que nasce vivo, reverbera’: arte, liberdade e cárcere em Ouro Preto

'O que nasce vivo, reverbera': arte, liberdade e cárcere em Ouro Preto

A frase que abre a matéria foi citada por Guilherme Serpa, ex-detento, ao explicar o cerne da exposição “Cárcere e Arte: Expressões da Liberdade”, que foi inaugurada na segunda-feira (16), na Biblioteca Pública de Ouro Preto. A mostra reúne trabalhos de 20 pessoas privadas de liberdade da Penitenciária Lemos de Brito, no Complexo de Bangu, no Rio de Janeiro e fica disponível para visitação até 15 de novembro.

Os trabalhos que expressam as visões de mundo, perspectivas de liberdade e retratos da vida cotidiana foram produzidos por detentos alunos do  Colégio Estadual Mário Quintana, participantes do Núcleo de Arte da instituição. O professor responsável por apresentar o caminho artístico para os estudantes é Rennan Bentolila, que também o curador da mostra. A inauguração também recebeu a presença da diretora do colégio e artista Maria Anita Alvarenga, grande incentivadora do projeto.

Os visitantes têm a disposição as mais variadas formas artísticas para acompanhar o trabalho desenvolvido na unidade prisional. Os detentos, que fazem parte de um sistema de reclusão de segurança máxima, produziram desde quadros que expressam as suas visões, até esculturas, que materializam os sentimentos. Além disso, os artistas foram inspirados a reproduzirem cenários de Ouro Preto, a partir de fotos. Com isso, a cidade anfitriã também foi homenageada.

COMO NASCEU A IDEIA DA EXPOSIÇÃO

O Núcleo de Arte do Colégio Estadual Mário Quintana (Nacemq) é projeto de dentro do presídio, onde Rennan Bentolila, como professor de arte, juntou sua experiência teórica com a vivência artística da diretora. Juntos, criaram um ateliê de arte, e as obras produzidas pelos detentos foram levadas para a exposição em Ouro Preto. A ideia é ressignificar a vida dos detentos, transformando-os de “homens” em “meninos”, no sentido de devolver-lhes a humanidade e dignidade.

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O convite para expor na antiga Vila Rica surgiu após uma conversa de Rennan Bentolila com a secretária adjunta de Cultura e Turismo de Ouro Preto, Margareth Monteiro. Ela trouxe a ideia após ser impactada com as obras. Após isso, a produção dos privados pela liberdade escalou.

A ideia de reinseri-los na sociedade faz com que, para nós, eles se transformem em ‘meninos’. Alguns são até mais velhos do que eu, mas me chamam de senhor, e eu digo: ‘Não, que isso, por que me chamar de senhor?’. Então, é essa a ideia, de trazê-los de volta para a sociedade. Esse é o projeto, e o resultado final está aqui”, disse Rennan ao Geraes.

A Biblioteca Municipal de Ouro Preto, através de seu diretor Cleusmar Fernandes, também destacou a relevância de receber essas obras de arte no local. Ao Geraes ele enfatizou que a exposição abre um novo olhar sobre a capacidade de recuperação dos detentos, ao mostrar que há possibilidade de uma nova chance através da educação e da arte.

Existe, sim, uma forma de recuperação dessas pessoas que estão privadas de liberdade, ou seja, sempre há uma nova chance. Então, para a biblioteca, para a ‘Secretaria de Educação e para o povo de Ouro Preto, é muito bom saber que a biblioteca traz esse novo olhar. Traz essa exposição com a curadoria de Renan e oferece a possibilidade de ver com um novo olhar essas pessoas que, neste momento, não só elas, mas seus familiares também, estão passando por essa privação de liberdade“, disse Cleusmar ao Geraes.

UM TALENTO DESCOBERTO NA AUSÊNCIA DELA… A LIBERDADE

Para além das pinturas e esculturas, a exposição também distribui exemplares do livro “Corpo Preso, mente livre”, que reúne poesias e ilustrações dos detentos. Na inauguração da mostra esteve presente Guilherme Serpa, um dos poetas que assinam textos da publicação. Ao explicar o cerne da mostra, ele citou uma frase que escutou em Ouro Preto, de autoria da também escritora Glenda Gleice.

Para Guilherme, o projeto foi fundamental no seu processo de ressocialização dentro da unidade prisional. Ele passou nove anos preso e já está há um ano em liberdade.

É como diz WU (rapper que assina poesias), é um talento descoberto na ausência dela… a liberdade. Como muitos costumam dizer: ‘Bandido bom é bandido morto’, mas nós somos pessoas, somos seres humanos, e temos, cara, milhões de oportunidades. Quem vier aqui, eu garanto que não vai se arrepender, porque são obras incríveis. Quando eu saí, vi algumas das obras que foram feitas e fiquei impressionado, fiquei muito impressionado. Eu pensei: ‘Caramba, essas pessoas são muito talentosas’. E, mesmo que você entenda de arte ou não, eu convido você a vir e apreciar, a entender um pouco mais sobre o cárcere. Sobre quem está lá dentro, porque nem todo mundo é o que a sociedade rotula“, disse Guilherme Serpa.

A exposição está aberta para visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na Biblioteca Municipal de Ouro Preto, que está localizada na Rua Xavier da Veiga, nº 309.

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