Com a Repactuação de Mariana em perspectiva, o Jornal Geraes entrevistou de forma exclusiva Junior Divino Fideles, advogado adjunto da Advocacia Geral da União (AGU). Temas como a participação popular e a dimensão do acordo assinado em 25 de outubro foram abordados, além de um olhar para os próximos passos a serem tomados pelo poder público brasileiro.
A Repactuação foi assinada entre o poder público brasileiro, representado pelo Governo Federal e União, e as mineradoras, mediado pela justiça. O novo documento prevê a destinação de mais de 130 bilhões de reais para as cidades e pessoas atingidas.
Nesse sentido, a entrevista com Junior seguiu o caminho de entender a real dimensão do que foi acordado, bem como discutir a participação popular dos atingidos e munícipios, uma vez que eles tiveram espaço negado na Mesa de Repactuação. Júnior foi enfático ao afirmar que esse documento não finda o processo reparatório.
Confira a entrevista completa:
Jornal Geraes: Quais são as principais diferenças desse acordo de Repactuação 2024 do que foi assinado em 2016 para reparar os danos do rompimento em Mariana?
Resposta de Junior Fideles: O acordo de 2016 previu um mecanismo, um sistema em que todas as reparações seriam executadas diretamente pelas empresas, por meio da Fundação Renova, que foi criada por elas. É um acordo que, como todos nós sabemos, não deu certo. Passados esses nove anos, a maioria das reparações esperadas na área do meio ambiente, na área da saúde e a retirada dos rejeitos, nada disso aconteceu.
Então, essa repactuação de Mariana de 2024 teve como premissa transformar parte significativa das obrigações de fazer das empresas em obrigações de pagar, para que o poder público – o Estado de Minas Gerais, o Estado do Espírito Santo e a União – possam diretamente executar medidas reparatórias. Medidas voltadas para as pessoas e para o meio ambiente, que orientaram todo o debate da repactuação. Medidas reparatórias que possam recuperar socioeconômica e ambientalmente a bacia do Rio Doce.
Jornal Geraes: Os atingidos reclamam não terem participado ativamente da Mesa de Repactuação de Mariana. Como a AGU e o governo brasileiro trabalhou e vai trabalhar para garantir o processo de reparação?
Resposta de Júnior Fideles: De fato, essa é uma questão importante a ser tratada e esclarecida. Nós, da União, defendemos a participação direta dos atingidos na mesa. Mas isso foi negado pelo Tribunal Regional Federal e pelo mediador, o desembargador que conduziu o processo. Por uma série de razões, ele entendeu que não havia condições para que os atingidos participassem diretamente na mesa de repactuação, o que gerou um déficit de participação social.
Da nossa parte, da parte da União e da Democracia Geral da União, fizemos um enorme esforço ao longo das discussões da repactuação, mantendo contato constante com a população, dialogando com os atingidos, entendendo suas demandas e buscando defender esses pleitos na mesa de repactuação. Tenho certeza de que a maioria dos movimentos dos atingidos da bacia, como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), ao olhar para o acordo e verificar os termos em que foi pactuado, pode enxergar nele várias de suas reivindicações.
Propostas dos atingidos, assim como de outros movimentos sociais, estão contempladas. Como exemplo, cito o fundo de deliberação direta, que investirá 5 bilhões de reais nos próximos anos. A sociedade determinará como esses 5 bilhões serão investidos na recuperação ambiental e na retomada econômica da bacia do Rio Doce. Essa não foi uma proposta que partiu de nós, da União, ou de qualquer outro ator da mesa; foi uma proposta que, a partir do diálogo com os atingidos, levamos à mesa e conseguimos que prevalecesse, sendo incluída no termo assinado no dia 25.
Reconhecemos que a ausência dos atingidos na mesa gerou um déficit de participação, o que tem dificultado a compreensão do acordo e gerado certo ceticismo. Afinal, é difícil acreditar em algo que você não conhece. Mas buscamos, de uma forma ou de outra, amenizar esse déficit.
Quero acrescentar que o acordo contém regras e diretrizes gerais sobre como os recursos serão destinados, mas a participação da população será fundamental na definição e detalhamento de como esse valor realmente será investido nos próximos anos. Temos recursos para programas de retomada econômica, tanto a serem executados pelo Estado de Minas e pelo Espírito Santo quanto pela União. As linhas gerais estão estabelecidas, mas os ministérios e governos estaduais, ao executarem esses valores nos próximos anos, certamente abrirão um diálogo efetivo com a população da bacia para definir os detalhes desses investimentos. Assim, a população poderá participar dessa nova etapa na luta pela reparação do Rio Doce.
Jornal Geraes: Os municípios também possuem uma postura parecida, no sentido de reivindicarem lugar na Mesa de Repactuação. Como as cidades atingidas serão ressarcidas? Quais serão os próximos passos?
Resposta de Júnior Fideles: Os municípios também não puderam participar diretamente da mesa de repactuação e negociar, por eles mesmos, os valores das reparações ao patrimônio municipal. Água defendeu na mesa a possibilidade de os municípios participarem diretamente, mas houve uma decisão do Tribunal Regional Federal, do mediador da mesa, que negou o pedido dos municípios. Dessa forma, foi pactuado na mesa a reserva de um valor de 6,1 bilhões de reais para todos os 49 municípios diretamente atingidos, e esse valor total é dividido entre os municípios conforme o índice aprovado pelo consórcio de municípios da Bacia do Rio Doce, o Coridoce. Então, segundo esse índice, o município de Mariana tem a possibilidade de receber 1 bilhão e 220 milhões.
Caso faça a adesão ao acordo, essa adesão deve ocorrer no prazo de até 120 dias a partir da sua homologação, que ocorreu no último dia 6 de novembro, como sabemos. Então, o prefeito atual ou o prefeito que vai assumir no dia primeiro de janeiro deve ponderar sobre os danos provocados pelo rompimento no seu município e, a partir disso, decidir se vai aderir ao acordo ou não e receber esse valor no cofre municipal para fazer a reparação das infraestruturas que foram danificadas. E veja, esse valor se destina a reparar o município no seu patrimônio municipal, nas instalações do município, e não se trata de uma indenização para os indivíduos ou de dano ao meio ambiente.
Significa também que, caso o município não faça a adesão, esse valor deixará de ser desembolsado pelas empresas e elas continuarão respondendo à ação em Londres. E o município poderá vir a B caso as empresas, a BHP, seja condenada em Londres e também na hipótese de o município não aderir ao acordo, a União e os estados, ou no caso de Mariana, o estado de Minas, continuarão responsáveis pela execução das medidas que eles se obrigaram. Então, o município de Mariana será beneficiado com saneamento, será beneficiado com as ações de saúde, será beneficiado com as ações ambientais, a população de Mariana poderá receber as indenizações individuais, caso sejam elegíveis, vai dinheiro para o município de qualquer forma. Todas as ações previstas pela União serão executadas exclusivamente na bacia do Rio Doce porque nós entendemos essa é uma medida de justiça com a população da bacia.
Jornal Geraes: Muito se fala da dimensão deste acordo para o Brasil e para a questão ambiental, mas como podemos entender o real tamanho do que foi acordado?
Resposta de Júnior Fideles: De fato, é um acordo histórico. Acho que ele marca a nossa história da reparação socioambiental no Brasil e representa o estabelecimento de novos paradigmas. Aqui, no âmbito da União, sempre dissemos que não estávamos em busca do maior acordo, mas sim do melhor acordo — o melhor acordo para o meio ambiente e o melhor acordo para as pessoas, sobretudo.
Chegar ao valor de 170 bilhões de reais é, para nós, apenas uma consequência das nossas necessidades de promover uma reparação integral do Rio Doce e dos danos socioeconômicos ocasionados pelo rompimento. Desse total, 38 bilhões são valores que as empresas afirmam já ter gasto com ações de recuperação ao longo desses nove anos; 32 bilhões são recursos que elas provisionam ou estimam gastar com ações das quais ainda são responsáveis pela execução; e 100 bilhões serão repassados à União e aos estados ao longo dos próximos 20 anos, para que possamos executar ações reparatórias socioambientais na bacia do Rio Doce.
Jornal Geraes: Como alguém do direito e que analisa também toda essa parte jurídicada Repactuação de Mariana, como você enxerga o julgamento das mineradoras na Inglaterra?
Resposta de Júnior Fideles: O foco das negociações do ano da reparação foram as ações que tramitam na justiça brasileira; nunca tivemos como foco a ação que tramita na Inglaterra. Isso não é nosso propósito nem nosso objeto de preocupação. O modo como negociamos e buscamos endereçar reparações para os danos coletivos e os direitos difusos que foram violados pelo rompimento é claro.
Sabemos que, na medida em que fazemos essa repactuação e, sobretudo, na medida em que um pleito nosso — imposto pelo poder público — foi atendido, que é a criação de um novo programa indenizatório para promover indenizações individuais, isso poderá ter efeito na ação inglesa. Mas cabe a cada uma das pessoas que terão direito optar entre aceitar a indenização que as empresas propõem pagar aqui, pelo Programa Indenizatório (PID), ou continuar perseguindo uma indenização na justiça londrina, avaliando as diferenças de expectativas e possibilidades entre uma e outra situação.
O grande diferencial da repactuação é não exigir prova do dano sofrido pelas pessoas, o que foi um gargalo nos programas indenizatórios anteriores. Muitas pessoas se sentem atingidas e prejudicadas, mas não conseguiram comprovar os danos sofridos para serem indenizadas. No PID, essa indenização poderá ser feita independentemente de prova. Na ação inglesa, as pessoas continuam obrigadas a comprovar o dano. Ainda temos algumas etapas do julgamento dessa ação na Inglaterra; não é o momento da prova do dano, mas, caso esse momento chegue, as pessoas precisarão comprovar os danos que cada uma sofreu para poder receber a indenização lá.
Aqui, estamos abrindo a possibilidade para que a União, os estados e as empresas paguem a indenização independentemente de prova do dano, já que quem tinha capacidade de comprovar os danos já recebeu indenização nos programas anteriores.
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Jornal Geraes: Quais as considerações finais sobre a Repactuação de Mariana?
Resposta de Júnior Fideles: Eu queria dizer à população que acompanhe o acordo, que dialogue com os estados e com a União no detalhamento e na futura execução do acordo. Nós entendemos que este acordo vira uma página; ele não encerra o processo reparatório, mas o modelo reparatório iniciado em 2016, a partir do Comitê Interfederativo e da Fundação Renova executando as ações deliberadas pelo comitê, não funcionou. Por isso, fomos levados a assinar um novo acordo.
E, antes de dizer se este novo acordo é o maior ou o melhor, só saberemos se ele é o melhor no futuro, quando for executado. Para que ele seja o melhor acordo e atenda às nossas expectativas, precisamos muito da participação da população junto com a União e os estados na execução das medidas reparatórias. Só assim, daqui a alguns anos, poderemos afirmar que ele foi o maior e também o melhor acordo que poderia ter sido celebrado.
Algumas partes da entrevista com Júnior serão publicadas na página oficial do Jornal Geraes durante a semana.
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Jornalista formado pela Universidade Federal de Ouro Preto, com passagens por Esporte News Mundo, Blog 4-3-3 e Agência Primaz.
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